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Jefferson José da Conceição

Quando ainda era bebê, sua família mudou para o Rio de Janeiro (RJ) onde cresceu e passou a juventude. E mesmo a sua família não tendo muitas posses, seus pais faziam questão de que ele estudasse nas melhores escolas da época, particulares, cursos complementares como o de inglês, digitação, para ter chance numa universidade pública. Graduou-se em Economia pela UFRJ, e como bolsista da CAPES iniciou o seu mestrado na Unicamp. Começou a lecionar em 1985/86, e pouco tempo depois uma colega da universidade lhe indicou uma vaga de emprego no DIESE e após passar pela seleção, foi escolhido para trabalhar como economista no sindicato do Lula em São Bernardo do Campo - SP e assim iniciou a sua trajetória na gestão pública. Terminou o seu mestrado na USCS e fez o doutorado na USP; é gestor e leciona na Escola de Negócios da USCS.
Imagem do Depoente
Nome:Jefferson José da Conceição
Nascimento:18/03/1962
Gênero:Masculino
Profissão:Economista
Nacionalidade:Brasil
Naturalidade:Corumbá (MS)

TRANSCRIÇÃO DO DEPOIMENTO DE JEFFERSON JOSÉ DA CONCEIÇÃO EM 07/03/2017
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC e Laboratório Hipermídias
Depoimento de Jefferson José da Conceição, 54 anos.
São Caetano do Sul, 07 de março de 2017.
Entrevistadores: Luciano Cruz
Equipe técnica: Ileane Ribeiro e Luciana Cunha
Transcritora: Bruna Moura

Pergunta:
Vamos lá então. Bom, eu queria, por favor, que você começasse falando nome completo, local e data de nascimento.

Resposta:
Bom, Jefferson José da Conceição, nasci em Corumbá, Mato Grosso do Sul, no dia 18 de março de 1962.

Pergunta:
Bom professor, fala um pouquinho então sobre suas lembranças de infância, você lembra desse período em Corumbá, como era a sua casa, como que era a sua família. Fala um pouquinho sobre o que lhe vem à memória desse momento.

Resposta:
Olha, eu faço parte de uma geração que foi daquelas famílias que migraram, então a minha família logo migrou de Mato Grosso para o Rio de Janeiro. Então, as minhas lembranças de criança são lembranças do Rio de Janeiro, onde eu vivi um pouco menos da metade da minha vida. Então, com seis meses, eu estava já vivendo em Madureira, no Rio de Janeiro, e cresci lá como um garoto normal da época, jogando bola na rua, bola de gude, peão, e minha mãe me obrigando a estudar. É interessante isso porque acabou que depois eu gostei, eu sou grato a ela, pelos esforços que ela fez. Éramos uma família de poucas posses, passando muitas dificuldades e minha mãe, eu falo até com um pouco de emoção disso daí, porque minha mãe e meu pai se esforçaram para que eu tivesse as melhores escolas da época, escolas que tiraram bastante o orçamento da família, e depois no ensino médio também, e na faculdade ainda, ela dava o dinheiro para pegar o trem para ir de Madureira até a Urca lá, onde eu fazia a Federal, e o dinheiro da alimentação, mas para eu não trabalhar que ela queria me ver formado. Então, eu já começo um pouco emocionado pelas lembranças.

Pergunta:
Como que era o núcleo familiar? Você tinha irmãos?

Resposta:
É, eu tenho uma irmã. Vivíamos nós dois, meus pais e os meus avós.

Pergunta:
Você falou da escola, que no começo você foi obrigado pela sua mãe a estudar. Você se recorda desses primeiros contatos com a escola? Era um lugar próximo, você tinha que ir de ônibus, como que foi a recepção em sala de aula?

Resposta:
O primário, como nós chamávamos na época, era feito do lado de casa, numa escola particular, mas bem próximo. Eu ia andando, usávamos merendeira. Vivíamos na época um período duro da história brasileira, os anos de chumbo, e eu me lembro vagamente de como havia um clima de pressão, de controle inclusive sobre os alunos. Tínhamos que cantar o hino, tínhamos que cantar vários hinos, ao mesmo tempo havia professores rigorosos, os professores batiam mesmo com régua. Bom, não morremos, é verdade, mas eu me lembro dos tempos duros. E aí o ensino médio já um pouco, a minha mãe investiu um pouco mais e foi para uma cidade um pouco mais distante, onde o colégio era capaz de viabilizar que eu participasse do vestibular. Então essa foi a trajetória e, ao mesmo tempo, pagando os cursos de inglês, digitação na época, e os cursos complementares [5']. Então eu chego no vestibular com uma base razoável, capaz de competir por uma vaga na universidade pública, num bom curso.

Pergunta:
E como foi essa escolha do curso, que é uma coisa que aflige os alunos até hoje, você sempre soube o que fazer, como que foi esse processo de decisão?

Resposta:
Olha, como todo jovem, eu não sabia o que fazer [risos]. Acho que isso é uma questão a ser pensada pela educação brasileira. Como apoiar os adolescentes, depois como apoiar os jovens que já não são mais adolescentes, mas que tem que optar pela universidade. Nós temos que encontrar escolhas dessa transição de vida, inclusive quando chegamos à terceira idade também, o Brasil precisa pensar como apoiar, em todas as etapas da vida, nós precisamos repensar como apoiar. Então, eu chego ali aos meus 17 anos sem saber exatamente. Por uma questão de sorte, havia o ensino profissionalizante da época, e tinha a Administração que eu tinha feito. Então, a Administração era uma opção, mas ao mesmo tempo um amigo meu começava a falar de alguns economistas, acho que mais reproduzindo o que _______ do meu amigo, eu decidi fazer Economia. Então, a minha vida como economista é por uma sorte, que não deveria ser, mas foi assim. Eu gostaria que o Brasil encontrasse soluções como outros países tem buscado, para apoiar essas gerações, para não chegar na sorte, ser apoiado mesmo com suporte de testes vocacionais, psicológicos, enfim, dinâmicas novas para apoiar os jovens.

Pergunta:
E esse período da Universidade, professor. Uma vez tendo se esforçado, tendo conseguido, como o senhor mesmo disse, de uma origem humilde, acredito que não deva ser o padrão ali dentro da Universidade, existiam muitas...

Resposta:
Não, sem dúvida alguma. Eu vivi bastante, claramente, a divisão. A Universidade Federal do Rio de Janeiro é um retrato da sociedade brasileira, ainda mais sendo no caso da Urca, porque muitos são ali da Zona Sul do Rio de Janeiro, moravam ali, então eu me lembro que eu pegava o trem, eu demorava duas horas para chegar na Universidade, enquanto os meus amigos demoravam cinco minutos de carro. Não tem nenhum problema dos meus amigos, muitos deles converso até hoje, apenas que a universidade pública precisa também ser rediscutida, para que tenha um equilíbrio um pouco melhor, e mais pessoas humildes cheguem a ela. Então, eu demorava duas horas, e esses desafios para um jovem humilde tem um outro lado, porque a cada hora você é obrigado a superar obstáculos, e isso dá uma força a muitos desses jovens. Eu vejo alguns parentes hoje, sobrinhos, que estão chegando e passaram dificuldades também e que dão essa (...) musculatura a esses jovens humildes. É o lado bom, digamos assim. Então eu ia para a biblioteca, ficava lendo bastante, chegava em casa a noite, saía cedo, e assim foi.

Pergunta:
Você citou a questão dos anos de chumbo, do período da Ditadura, o senhor teve alguma inclinação ideológica e política nesses tempos de juventude, universitário?

Resposta:
É, eu pego, na Universidade, quando eu tenho um pouco mais de clareza das coisas, eu pego o fim da Ditadura, mas ainda pego ela [10']. Eu estou falando de 1980, nós vamos ter a Ditadura até 1985, então eu pego o finalzinho. Mas foi um período riquíssimo, se por um lado havia a dureza de ser uma Ditadura, eu pego a reconstrução, o esforço da reconstrução, então toda a Universidade vivia discussões, quais os rumos do Brasil, como eu posso ajudar, quais as bandeiras políticas havia, havia corrente X, Y e Z, e eu entro nesse sopro de discussões, participo das Diretas, vou às ruas batalhar pelas eleições diretas, acompanho desde o Rio de Janeiro o que está acontecendo no ABC, de repente, vou contar que daqui alguns anos depois eu vou cair em São Bernardo do Campo, Deus sabe como, eu vou te contar. Mas eu acompanhava em 1980, 1981, apoiei o fundo de greve, lá fazíamos o movimento. Então foi um período riquíssimo que hoje, eu tenho uma trajetória muito marcada por esse período de lá e eu venho. A minha vida vai se encontrar com instituições, atores, que estavam lá nos anos 1980, e que de repente eu reencontro por essa circunstância, vou ser um assessor sindical, vou ser assessor do Lula, eu vou contar isso. Então são coisas da vida, a vida é assim.

Pergunta:
Professor, o senhor falou dessa questão da origem humilde, e voltando nessa questão ali no momento da Universidade como o senhor falou, na Urca, convivendo, acho que com a maioria brancos, nascidos na Zona Sul carioca. Até hoje, na Universidade, o negro não ocupa um espaço, digamos, condizente com o número da população. O senhor sofreu algum tipo de preconceito nessa trajetória? Eu queria que o senhor falasse até das lembranças de algum momento, como o senhor falou que estudava. A questão intelectual se sobrepôs em algum momento, ou não, como que foi a trajetória nesse sentido?

Resposta:
É, você toca numa questão muito delicada, que é a questão racial.

Pergunta:
Talvez eu tenha sido muito prolixo aí [risos].

Resposta:
Não, ela é uma questão importantíssima! Sim, é mais um obstáculo que nós, negros, temos que superar permanentemente. Então não havia cotas na época, e enfrentamos os desafios da concorrência plena. Na Universidade, eu acho que vi dois ou três lá na Urca na Universidade Federal do Rio, na Economia que eu fiz, negros. Então é bem marcado por isso, bem marcado. Mas digo a você que (...) essa questão para mim (...) é um motivo de orgulho muito grande ter chegado aonde cheguei, mas reconheço que é muito difícil. Então, analisando de modo mais geral para além da minha trajetória, é preciso de fato que o Brasil estabeleça uma política afirmativa de inclusão, porque os desiguais precisam ser tratados desigualmente, você precisa de um sistema de apoio. Não estou dizendo que o sistema de cotas do jeito que está é o melhor, e nem que é o único. Eu estou dizendo apenas que, se nós queremos uma sociedade civilizada, com menos barbáries, um sistema de competição que valorize o mérito efetivo, é preciso então incluir aqueles que estão excluídos [15']. Então, essa questão racial no Brasil é fruto de um processo histórico, onde você teve um processo de abolição que não se completou. Nós tivemos o fim da escravidão, mas não tivemos a inclusão do negro dentro dos circuitos de decisão, dos circuitos de elite, dos circuitos de reflexão, não. Eu (...) sou grato a uma família que investiu muito e abriu mão do seu (...) tive sorte de pegar talvez um processo (...) hoje os índices de competição aumentaram muito, não sei se eu entraria hoje, só para dar um exemplo. Então eu estou dando um exemplo de como é difícil. Então é um motivo muito grande. Eu, por exemplo, tive outro momento importante na vida, foi ter sido um dos primeiros negros a falar na Escola Superior de Guerra. Depois que eu fui lá nos anos 1980 defender contra a Ditadura, anos depois eu fui convidado a fazer uma exposição sobre a minha ação aqui como Secretário de Desenvolvimento de São Bernardo lá na Escola Superior de Guerra, e foi uma das primeiras autoridades negras. Então, foi uma satisfação grande essa trajetória porque juntou muita coisa e aquele momento bastante simbólico ao que eu vivi.

Pergunta:
Professor, fale um pouquinho então desse seu início no mercado de trabalho. Como foi esse momento que o senhor chega ao mercado.

Resposta:
Eu cheguei ao mercado de trabalho em 1983, sendo formado, mas eu chego já numa crise, o Brasil já não crescia mais como vinha crescendo desde os anos 1930. De 1930 até 1980, o Brasil não tinha vivido nenhuma crise mais profunda, não conhecia o desemprego. Nós conhecíamos só a geração de carteira azuis, então o meu pai, meu tio, mesmo meu avô são do período de crescimento da economia brasileira seguido, se não era sete por cento ao ano, era seis, era cinco, era oito, era nove. Mas eu chego em 1983, então já pego a crise dos anos 1980. E aí eu olho para os jornais, eu ouço o rádio, estou me formando e vejo que há demissões. Então o que que eu fiz, eu tomei mais informação sobre essa coisa de pós-graduação, mestrado e investi bastante nisso, então no último ano meu na graduação eu combinei a formação de graduação com me capacitar para o exame nacional de pós-graduação em Economia e tive a felicidade de passar aqui na UNICAMP, em Campinas, então a minha mudança para São Paulo é para a vinda para fazer o mestrado em Campinas, foi assim. Então eu retardei a minha entrada no mercado de trabalho, porque ela só vai acontecer efetivamente em 1985 quando surge uma oportunidade de eu, mestrando da UNICAMP e uma oportunidade na Universidade Metodista, então em 1986 começa a minha trajetória de professor universitário, porque uma colega tinha algumas aulas como professor substituto, então estavam aceitando mestrandos, então eu aceitei esse desafio em 1985. Então eu retardo minha entrada entrando no mestrado.

Pergunta:
Acredito que isso de novo só foi possível devido ao suporte da família.

Resposta:
Sim, sem dúvida, porque novamente, claro, tínhamos uma bolsa da CAPES, mas não era uma bolsa que pagava todos os custos [20']. Ajudava a pagar a república, eu morei em república, mas a minha mãe me mandava dinheiro, então isso (...). Bom, hoje mudou um pouco, mas eu até deveria mandar mais para ela, porque por tudo que ela fez, o que eu estou mandando é pouco [risos].

Pergunta:
Professor, fale um pouquinho desse início na área da docência, como foi o começo da vida como professor?

Resposta:
O mestrado exige bastante, então eu estava bastante compenetrado, estava estudando, mas eu tremi bastante nas minhas primeiras aulas, como um bambu. Então foi mais um desafio vencido. Eu peguei três disciplinas, então além de estar nervoso, ainda peguei uma diversidade, foi Teoria Econômica e Economia Brasileira e Macroeconomia, alguma coisa assim, mas tive o apoio de colegas, de professores mais experientes, então isso foi muito importante, foi um período rico, eu recomendo que os nossos alunos avaliem a continuidade de seus estudos, porque realmente, em um mundo cada vez mais competitivo, isso é fundamental, você seguir trilhando o mercado de trabalho, a vida concreta, o mundo real, mas também se qualificando permanentemente, isso é muito bom, isso nos deixa mais sólidos.

Pergunta:
Queria que o senhor continuasse então essa jornada, né? No início das aulas já chega aqui no ABC, na Metodista, é isso?

Resposta:
Isso, eu comecei a dar aula em 1985, 1986, e uma colega da Universidade trabalhava num órgão chamado DIEESE, Departamento Sindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos. Muitos conhecem pela TV, são os que dizem quanto que está de desemprego, o índice do custo de vida, e essa colega falou: "olha Jefferson, pintou uma seleção no DIEESE, você não quer fazer?". Nisso, eu estava morando em Campinas já há três anos, e eu falei: "eu vou, esse DIEESE, parece interessante". Eu queria trabalhar com pesquisas, então eu fiz a seleção e fui chamado por uma pessoa bastante famosa na época, que é o Valter Barelli. O Valter Barelli me entrevista, e estávamos eu e mais quatro, e eu tinha, olha só as coisas como são, eu tinha acabado de escrever com um amigo por indicação do meu amigo de mestrado, ele falou: "Jefferson, vamos escrever um artigo sobre indústria automobilística?", porque a gente estava vendo uma matéria sobre oligopólio, e o papel da indústria automobilísticas como oligopólio, e eu falei: "está legal, vamos fazer". E esse artigo foi publicado. Bom, dentro do meu currículo eu cito esse artigo, e o Barelli viu que tinha feito esse artigo e ele falou: "você é da UNICAMP, você fez esse artigo da indústria automobilística, e a UNICAMP tem uma visão macroeconômica, indústria automobilística, esse artigo. Eu tenho quatro vagas aqui, uma para assessorar aqui em São Paulo, outra para assessorar em Sorocaba, e tem uma lá no ABC. Eu acho que você cai bem no ABC". "Está bom, aonde?". "Ah, lá no sindicato do Lula". Eu quase cai para trás. E foi assim que eu vim, e o meu primeiro dia de trabalho, o DIEESE tem dentro do sindicato, o que chama de subseção, quer dizer, o sindicato tem algumas subseções do DIEESE, então eu fui como economista do DIEESE, não como sindicato, mas como economista mesmo já, mas lá nos metalúrgicos, e aí toca o telefone [25']. O meu chefe então, Osvaldo, falou: "Jefferson, atenda aí por favor". Eu atendi. "Alô, companheiro [risos], pode vim aqui me assessorar com alguns números" [simulando falar ao telefone, e imitando a voz do Lula]. Eu quase cai para trás, todo nervoso. O papel, não conseguia nem encontrar. Afinal, em 1980 eu estava apoiando uma greve liderada por gente aqui do ABC, e de repente estava a principal liderança no telefone para eu assessorar com números, olha o que que é isso na cabeça de uma pessoa. Olha os fios se conectando. E aí eu fiquei 20 anos. Eu ainda sou economista do DIEESE, licenciado, mas aí eu recebi um convite para estruturar o DIEESE na central sindical, não mais nos metalúrgicos. Depois, isso em 2004, fico cinco anos na central sindical e depois recebo convites para a gestão pública, ser secretário das relações de trabalho nacional, secretário de política industrial nacional, secretário de desenvolvimento em São Bernardo, e assim vai minha trajetória na gestão pública. Existe um relacionamento óbvio, com uma determinada corrente, uma determinada visão, mas eu quero frisar que entendo que o mais rico disso foi reconhecer a importância da democracia, e do respeito às diferentes visões. Foi um prazer muito grande de estar aqui na universidade, na USCS, porque eu sinto que essa democracia é muito valorizada na Universidade que nós estamos.

Pergunta:
Como se dá esse seu primeiro contato com a USCS?

Resposta:
Meu primeiro contato com a USCS se dá porque eu não terminei o mestrado na UNICAMP, e eu estava muito decepcionado comigo mesmo. Eu estava muito valorizado como profissional lá no DIEESE, mas havia uma insatisfação acadêmica comigo, e a USCS me propiciou eu me reencontrar comigo mesmo, porque é uma universidade reconhecida na região, cada vez mais ela sai da região, hoje nós temos um campus em São Paulo, mas então uma universidade sólida, e que tinha um curso de pós-graduação em Administração com pessoas sérias, então essa informação me chega, e estando na região eu consegui discutir e negociar com o sindicato a flexibilidade de tardes que eu teria livre, então a USCS me permitiu que eu concluísse os créditos, enfim, que eu passasse, concluísse os créditos e defendesse a minha dissertação de mestrado em Administração aqui, e eu sou bastante grato à Universidade por esse reencontro comigo mesmo no âmbito acadêmico.

Pergunta:
Qual que é o tema do seu trabalho?

Resposta:
O meu trabalho foi sobre a reestruturação da indústria de autopeças na região do ABC nos anos 1990. Foi um trabalho que eu me dediquei bastante. Na verdade, eu tinha muitas informações, eu tinha número, eu tinha análises, eu tinha muitos contatos numa densidade enorme que a vivência na região, sendo assessor sindical, me permitiu. Então, o trabalho foi se debruçar e dar um tratamento acadêmico a essas informações. Então, bem orientado pelo meu orientador da época, o (Gerum Clinc), eu consegui também uma flexibilidade, eu consegui também fazer o trabalho no próprio sindicato, então eu tirava horas para ficar (...) espero até que eles não me cobrem isso [risos], mas então foi um trabalho que teve nota 10 com louvor, depois foi publicado e eu fiquei muito grato. Foi o gancho para eu fazer o doutorado também [30']. O doutorado já foi na Universidade de São Paulo, um doutorado em Sociologia. Então, eu me formo em Economia, faço o mestrado em Administração aqui, e o meu doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo, e a tese foi sobre como que atores e instituições da região do ABC respondem a essa furacão que foi os anos 1990. Então, na minha tese, eu relato as negociações em âmbito das empresas, que foram inovadoras, absolutamente inovadoras do ponto de vista de jornada de trabalho flexível, do ponto de vista de participação dos lucros, resultados com metas, do ponto de vista das discussões de linhas de produção de grupos semi-autônomos; recupero as ações em âmbito regional com Consórcio do Grande ABC, fórum de desenvolvimento, câmara regional, agência de desenvolvimento econômico, então a região tem uma densidade institucional muito grande, então o meu trabalho foi fazer uma fotografia sobre a perspectiva acadêmica deste momento rico. Foi uma maneira, eu não escrevi isso, mas ela é uma pesquisa participante, na medida em que o meu distanciamento com o objeto que eu tratei é um distanciamento forçado. Por que que é forçado? Porque eu fui comparticipe da história. Eu fui assessor sindical, eu estava negociando, eu estava montando essas estruturas. A luta pela Universidade Federal, eu estava nela; a luta pela agência, eu estava nela; as câmaras regionais eu participei, eu estive com Celso Daniel em momento importantes. Então, eu conto uma história analiticamente, buscando distanciar de uma história que eu sou colado nele, que eu sou legalmente ligado. Mas acho que consegui, e depois virou um livro, e hoje quero trabalhar o meu pós-doutoramento no campo do sistema de inovação aqui do ABC, como que a região do ABC se conecta com o futuro por meio de um quadro institucional no âmbito do apoio à inovação, pesquisa e desenvolvimento.

Pergunta:
O senhor conheceu a USCS de uma forma diferente da maioria das pessoas, que geralmente é pela graduação. O seu link, primeiro, foi pela pós. Eu queria que você falasse primeiro dessa primeira impressão que você teve, e como foi a passagem para a graduação.

 

Resposta:
Então, a primeira impressão que eu tive foi de uma instituição séria, uma instituição sólida na região, porque eu chegava e eu via as coisas, eu via o laboratório de gestão, bem constituído, eu via pessoas de peso, eu via um projeto conectado com as necessidades regionais, eu via todo um esforço de levantamentos importantes, sendo feitos por pessoas de qualificação muito sólida, que poderiam estar em universidades de primeiro mundo, muitos estavam, o (Gerum Clinc) por exemplo, meu orientador, ele veio da Holanda de universidades de peso europeia. O professor Silvio Minciotti, que também foi meu professor, até hoje uma referência para mim, e isso só para dizer dos casos de muitos, então eu via uma instituição que tinha seriedade, tinha profissionalismo e tinha tradição, a tradição era muito forte, eu via a tradição. Ao mesmo tempo, eu temia, porque tradição é difícil mexer, e eu vinha de determinados vieses, determinadas correntes, mas isso eu admiro a USCS porque ela me permitiu me formar aqui, ela me permitiu ser professor aqui, ela me permitiu ser gestor aqui, sem me cobrar nada [35']. Então, eu sou muito grato a essa universidade.

Pergunta:
Como foi essa questão do passar a ser professor na USCS? Era algo que o senhor já previa, aconteceu naturalmente...

Resposta:
A minha dissertação foi muito elogiada. Ela abriu, digamos, o mínimo de olhar de quem é o Jefferson, digamos assim. E abriu um concurso, tive a felicidade de ter uma abertura de concurso, foi um concurso que eu me lembro com muita gente, e eu me lembro que eu vi colegas, alguns segundo, terceiro, quarto, que competiam comigo na disciplina que eu sou responsável, Economia Brasileira, e eu me dediquei um pouquinho para aquele concurso e tive a felicidade também, mais uma rodada de sorte, acabou que fui o primeiro colocado e então começa a minha trajetória em 2005. Eu me dediquei nos últimos anos, eu tive que compartilhar a universidade e esse mundo da assessoria e da gestão pública. Mas isso me permitiu, ao mesmo tempo, esse compartilhamento do mundo acadêmico aqui e do mundo real, real eu não gosto, mas no mundo prático do mercado e da gestão pública e me permitiu que eu tivesse sempre um outro olhar. Então, na gestão pública, eu também era: "olha lá o professor", e aqui: "olha o gestor". Então, isso permite que você traga novos elementos para ambos os lados. Isso é muito bom, isso é muito bom, e os nossos professores, muitos deles carregam essa trajetória semelhante, então para o aluno da USCS isso é muito positivo, muito positivo mesmo.

Pergunta:
Você lembra das primeiras aulas na USCS?

Resposta:
Eu lembro também, com um certo nervosismo, um pouco menos que 1986, mas eu lembro. Nós tínhamos uma estruturação de cursos um pouco diferente, não havia a Escola de Negócios, não havia, então havia os cursos separados, mas aquele sopro de juventude que a gente, como professor, vê quando entra numa sala de graduação, primeiras séries até as últimas, esse sopro continua o mesmo. Não mudou, é muito bom, isso eu não vejo diferença em nenhum sentido. É muito bom dar aula na graduação. É muito bom dar aula na pós também, mas para falar a verdade, eu gosto mais de dar aula na graduação, porque a ideia de formar, numa relação bilateral, biunívoca, uma relação menos desigual, de fato não gosto muito dessa ideia de professor aqui e aluno aqui [faz gestos de desigualdade com a mão, sendo que o professor está em nível maior]. É evidente que o professor carrega uma bagagem e ele tem uma transmissão a ser feito, mas a gente aprende bastante em sala de aula, ainda mais no mundo de hoje, onde as informações são cada vez maiores, onde aqui tem um conjunto de informações, aqui tem outro conjunto de informações, e você não tem sobre muitas coisas, então essa troca hoje, olha, eu te digo que eu estou ali, ou analfabeto, alguém pode me ajudar aqui a entrar. Aí o cara: "oh, faz isso". Então é impressionante como isso acontece, mas é muito boa a ideia de você tentar fazer um shape [40'], formar uma pessoa com determinados valores, evidente com uma bagagem de conhecimentos sobre aquele curso, sobre aquela profissão que você está passando para ele, mas ao mesmo tempo carregar valores, carregar ética, carregar, por exemplo, eu falo muito para os meus alunos da importância de pensar para além de sim, é você, você tem que pensar em ganhar dinheiro, pensar em ser alguém, em ter um status, um carro, mas você tem um compromisso com o seu país. Você faz parte de uma elite. Então, o que mais você pensa, como você pensa em ajudar a sua coletividade, a sua cidade, o seu país. Você pensa em inovar contribuição em todas as áreas, na Saúde, na Educação, na Economia, na Administração, em Contábeis, onde você estiver, como é que você dá o seu delta a mais, então isso são valores que você passa para o estudante, ao seu estilo, então dar aula na graduação me traz isso, e eu vi. Muitos dos assessores com os quais eu convivo hoje, chamo de colegas, são meus ex-alunos, são os melhores, e eles estão gente na Volkswagen, gente na gestão pública, gente aqui na universidade. Eu te cito vários, e fazendo coisas maravilhosas, isso é muito gratificante para o professor. É porque você renasce, eu estou nascendo de novo lá em 1980 por meio desse menino, dessa menina, só que tentando passar que não cometa alguns erros que eu cometia, eles têm que fazer também.

Pergunta:
O senhor falou desse sopro de juventude, que não mudou, mas acredito que até na própria função do professor, o senhor acompanhou mudanças, seja no seu tempo de bancos escolares, seja no início da profissão docente lá em meados dos anos 1980, para agora, provavelmente a tecnologia tenha um impacto. Queria que o senhor falasse um pouquinho dessas transformações.

Resposta:
Olha, esse é um debate bem interessante, muito interessante. Eu me lembro que, em 1980, a minha primeira aula como aluno de graduação foi com a Maria da Conceição Tavares, uma economista famosa, está velhinha, mas aquilo me marcou pela postura dela ao falar, sem ter nenhum texto, ela foi falando com naturalidade, pelo forma como ela sentou pausadamente, e algumas frases mais e nós ali, atentos, sem usar nenhum slide, nenhum PowerPoint. Nem havia na época, tinham apenas umas folhas de transparência. Então, essa questão da tecnologia, não podemos nos separar, hoje não existe mundo sem os avanços. Isso se reflete, por exemplo, na educação. Nós temos o EAD, o EAD veio para ficar, o Ensino à Distância. A pessoa tem flexibilidade de horário, ela pode fazer uma universidade inteira a partir da sua casa, cuidando do seu bebê, trabalhando, estudando à noite. Ela vai ter as mesmas exigências dos pontos de vista formais que um aluno presencial, mas a tecnologia permite a ela que ela faça um curso à distância. Ainda assim, nós precisamos permanentemente estar refletindo de como não jogar o bebê com a água do banho, porque essa questão, da forma como a universidade exige uma reflexão, uma discussão, a concentração, exige um relacionamento professor e aluno, tudo isso, é secular. Então, nós precisamos ter sempre o cuidado de preservar o que é muito forte do secular, daquilo que a tecnologia e a inovação permitem de avanços [45']. Então, esse equilíbrio tem que ser permanentemente pautado, ele tem que estar permanentemente presente, para que a gente mantenha a universidade por mais décadas e décadas. Não é uma coisa tranquila não, não é uma coisa nada tranquila. Eu vou dar um exemplo: uso de celulares e micros durante a aula. Isso é um tema que tem professores que mandam desligar o celular, com razão até, mas o celular também está entrando em formação, também pode ser objeto de utilização, de apoio ao ensino, então nós temos que discutir como será ao nosso favor, não nos distanciar. Não é uma coisa fácil da tecnologia, a gente pede às vezes trabalho e ele vem uma cópia inteira da Wikipedia. Isso é um crime, também é fácil pegar, então nós temos que permanentemente estar discutindo como que a universidade secular, com suas discussões, sua trajetória e tudo que se envolve é combinado com as novas tecnologias. Não é uma coisa fácil, mas tem que ser feita, permanentemente.

Pergunta:
Como foi essa transição do professor para gestor de curso?

Resposta:
Ah, para o gestor. É um mundo relativamente novo para mim. Eu fiquei bastante surpreso com o convite, sou grato ao convite, acho que se espera de mim que eu traga para gestão um pouco também do meu aprendizado de gestor público, então, uma das minhas características como gestor público foi a busca de realizar vários projetos simultâneos, então eu coordenei vários projetos que foram lançados simultaneamente. Não é uma coisa fácil, e ao mesmo tempo, forte também, e se espera de mim, as parcerias, então a nossa universidade é tradicional, como eu mencionei, mas eu acho que ainda tem um algo a mais a dar no ponto de vista de se abrir para a comunidade, para relação com outros atores, empresas, gestões públicas, sindicatos, outras universidades. Nós temos que buscar um pouquinho, sair. Acho que eu posso ajudar um pouquinho nisso. Acabo de vim de uma reunião, por exemplo, uma instituição financeira, para que os alunos visitem essa instituição, saiba como ela trabalha. Só para dar um exemplo, eu trabalho nessa perspectiva de ajudar naquilo que é um pouquinho meu forte, digamos assim.

Pergunta:
Vem à memória do senhor, nesse momento, alguma memória, alguma história relacionada à USCS que o senhor possa destacar? Seja uma curiosidade, alguma coisa que aconteceu em sala de aula, ou uma história mais emocionante, alguma coisa que o senhor queira deixar aí para...

Resposta:
Olha, eu mencionei aqui o nosso saudoso Celso Daniel. Então, na véspera do sequestro dele, ele estava aqui, um ou dois dias antes, e eu estava do lado dele, assistindo a um debate aqui na universidade [50']. E aquilo me marcou muito porque eu era professor daqui, estava permanentemente com o Celso lá na prefeitura, a discussão da Câmara Regional, discussão do Consórcio, depois da agência que ele encabeçou, e todo aquele final trágico da morte dele e a presença que eu tenho é dele ao meu lado aqui na universidade. Então, isso foi um dos momentos marcantes do meu relacionamento com a universidade. Eu já mencionei também, emocionante para mim, o fato de que ela me viabilizou o reencontro, de ter sido aceito para fazer o mestrado aqui, foi muito importante para mim. Tem o momento também que eu passei como professor, muito legal, e anos depois, eu vim fazer parte de uma banca de professores para novos professores, uma trajetória interessante. Adversários políticos fortes, da vida política, aqui eu tive um relacionamento dos mais amistosos. Quero mencionar aqui o professor Sílvio Minciotti, a quem eu admiro profundamente, e eu encontro com o professor Sílvio e só vejo um amigo, só vejo uma pessoa que eu me emociono, porque, como que a gente se divide tanto e nesse momento a universidade me propiciou isso, que eu conhecesse o Sílvio e ele me conhecesse, e ele depois virasse uma referência de pessoa para mim. Hoje eu o vejo, ele me vê, a gente se abraça, então tudo aquilo ficou secundário.

Pergunta:
Como o senhor definiria a USCS?


Resposta:
Eu defino a USCS como um espaço de passagem que fica para sempre.

Pergunta:
O senhor, como economista, o senhor mesmo falou que chegou no mercado de trabalho em um momento que o Brasil vivia uma crise, e de lá para cá não faltaram crises.

Resposta:
Não, nenhuma, estamos em plena crise [risos].

Pergunta:
Crises econômicas que foram meio recorrentes. Queria que o senhor falasse, como profissional da economia, que o senhor analisasse um pouco esse período que o Brasil viveu dos anos 1980 para cá, e canalizasse nesse sentido até a própria profissão do economista. Eu não sou da área, mas como comunicador atuando na assessoria de imprensa, eu vejo que é uma área que se valorizou muito talvez até por esses percalços econômicos. Fale um pouquinho sobre a área e a trajetória na Brasil.

Resposta:
Sim, a economia brasileira passou por um momento muito pujante dos anos 1930 até os anos 1980, de lá para cá, os anos 1980, a década perdida, crescimento zero, crise de dívida externa, inflação, FMI, ao mesmo tempo a luta das Diretas. Nos anos 1990, os anos da dureza. Os anos 1990 são os anos de fechamento de empresas, desemprego avassalador, aí nós conhecemos uma mudança brusca da economia brasileira, de uma economia fechada para uma economia aberta. Então, o lado bom é que conhecemos os carros novos, os perfumes, os sapatos, os tênis de primeiro mundo, mas ao mesmo tempo o desemprego avassalador. Então, isso foi nos anos 1990. Depois, tivemos uma retomada na década seguinte, mas uma retomada num contexto muito favorecido também pela expansão da China, pela valorização das commodities [55']. Verdade também que jogou peso, teve papel importante, políticas de inclusão como Bolsa Família, como a valorização do salário mínimo, as políticas de inclusão dos segmentos D e E, tudo isso favoreceu o crescimento da economia brasileira nas últimas décadas. Mas, infelizmente, à reversão do cenário internacional e a não continuidade e aprofundamento de políticas que vinham sendo trilhadas. Alguns erros foram cometidos do ponto de vista de gastar mais do que devia, isso é verdade, porque isso rebate nas finanças públicas. Desafios que tem que ser enfrentados, eu não compartilho, por exemplo, da reforma da previdência que vem sendo apresentada, mas sei que a presidência nós precisamos enfrentar. Então, se eu não concordo com a reforma, eu não nego que ela tenha que ser discutida. Então, esse é o momento que o Brasil se vê diante, de incertezas, de crise, mas a cada momento que isso se colocou no Brasil, surgiram oportunidades. É assim que eu quero ver o cenário para frente, positivo, que os nossos jovens que estão na USCS e em outras universidades gerem novas ideias, novas saídas, novas soluções, eu tenho certeza que nós vamos sair dessa crise. É claro que o Brasil precisa constantemente dar um passo a mais se quiser chegar próximo aos mais avançados. Nós não podemos ir no mesmo ritmo, nós temos que ter ousadias. Eu sou daqueles economistas chamados desenvolvimentistas, então, se a gente for trilhar no mesmo ritmo, nós não vamos nos equiparar, então você precisa ter ousadia, então se eu gritei contra os militares, só para dar um exemplo, se eu gritei contra os militares em 1983 quando moleque, com 18 anos, é, 18 eu tinha em 1980, se eu gritei ali contra os militares, eu tenho que reconhecer, por exemplo, que um projeto como o pró-álcool, criado por eles, foi ousado. Então, eu chego aos meus 55 anos com a maturidade de reconhecer que o meu adversário acertou naquilo, porque se os carros começaram ruins, os primeiros carros à álcool foram ruins, hoje nós temos o flex full, nós temos uma tecnologia, então o Brasil precisa ousar, em várias áreas, para sair da mesmice e se colocar como uma nação avançada. Então, eu tenho convicção de que nós vamos sair da crise sim, talvez demore um pouquinho, mas com políticas arrojadas, políticas que busquem inovações, e a universidade é o espaço da inovação, precisa buscar que essa molecada gere ideias.

Pergunta:
Professor, para o estudante novo que está chegando, o ambiente universitário é sempre uma novidade, uma coisa desconhecida. Além dessa dica, de procurar inovação, dentro do âmbito acadêmico, que dicas um gestor de curso, que mensagem um gestor de curso pode deixar para esses novos alunos que estão chegando à USCS?

Resposta:
Bom, manter a alegria, não deixar de fazer nada. Ir às baladas, jogar seu futebol, namorar muito, mas tentar colocar umas horas aí de dar atenção a essa coisa de buscar o conhecimento. Tentar ver: ‘peraí, que história é essa disso e daquilo outro?'. Então, é juntar dentro da sua vida normal a busca de conhecimento, porque isso vai gerar naturalmente outras, é como se fosse uma coisa puxa a outra, um dominó [01:00']. Então, esse é o primeiro aspecto que tem que colocar algumas horas em busca de conhecimento. Aumente seu networking. "Eu tenho um circuito de amigos, deixa eu tentar conversar também com um outro ali um pouquinho mais diferente". Um professor, esse diálogos dentro da universidade ajudam muito porque permitem essas descobertas, e daí vai naturalmente nascendo uma nova pessoa, está certo? É se permitir um pouco. E uma coisa que é importante, e nós perdemos, infelizmente nós temos que forçar, e a universidade e a direção, a gestão tem um papel nisso, que é ter suas utopias. Nossos jovens necessitam de utopia, precisam sonhar. Esse é o momento de sonhar, a realidade só se transforma com o sonho. É aquilo que você tem de maluco. "Você é maluco, você é doido!". Mas é aquele maluco, aquela ideia doida que vai se moldando, e aí a universidade tem depois suas formas, artigos, dissertações, também ajudam, pesquisas, metodologia, que vão ajudar que essa ideia maluca vire realidade. Então, isso é em todas as profissões, todas as áreas, nós precisamos de ideias malucas, nós precisamos que o jovem sonhe revolucionariamente, mas sonhe positivamente. "Eu quero ajudar aqui. Minha ideia pode ser doida, mas eu vou tentar". E nós, como gestores, temos que dar vazão, permitindo encontros, trazendo pessoas, fazendo networking, nacional e internacional, que isso saia do aluno e ele ajude a transformar o Brasil.

Pergunta:
Professor, já estamos chegando aí no finzinho do nosso bate-papo, mas o senhor falou no início da nossa conversa sobre o movimento sindical, que você conhecia o ABC, e eu acho que essa é uma grande marca, eu por exemplo, também conhecia, se me falassem de São Bernardo, de São Caetano, a primeira coisa que vem à memória, que não sou aqui da região, é o movimento sindical do final dos anos 1970 para os anos 1980. O setor viveu, como o senhor disse, boa parte aí de dentro. É possível fazer uma reflexão um pouquinho sobre tudo isso que o senhor vem acompanhando, quer dizer, desde que o senhor chega aqui na região e começa, atende lá o telefonema do Lula, até o atual contexto, os desafios, os pontos positivos, os pontos negativos, dá para a gente fazer uma síntese dessa reflexão?

Resposta:
Eu acho sinceramente que nós estávamos numa trilha de amadurecimento de todas as partes. Do vermelho, do azul, do amarelo, as cores estavam ficando menos nítidas, e viam uma evolução forte da sociedade brasileira de aproximação, de respeito recíproco, de interação. Acho que nós regredimos nos últimos anos, dois ou três anos, infelizmente regredimos. O Brasil vive hoje um desrespeito entre as partes, uma intolerância, e nós precisamos primeiro nos alinhar para voltar a uma tolerância, para voltar a esse respeito recíproco, e aí dar um [gesto de crescimento com as mãos]. Nós somos uma grande nação com todo um futuro brilhante, mas exatamente neste momento que eu dou essa entrevista eu vejo que pode-se ir a um restaurante e ser xingado por usar uma cor ou outra, por falar uma coisa ou outra, e isso não é bom, isso não é bom [01:05']. A história já mostrou que não nos leva a um bom final. Então, dentro da sala de aula, eu falo isso para os meus alunos, aqui nós nos respeitamos e nos toleramos, pode-se pensar o que quiser, e na universidade é assim também. E eu sinto, para concluir de novo na USCS de novo essa possibilidade forte. Então, eu sou bastante feliz, mais uma vez, de falar isso aqui dentro.

Pergunta:
A USCS está prestes de completar 50 anos, como o senhor também já mencionou, a Escola de Negócios está prestes a completar 50 anos, se não com esse nome Escola de Negócios, mas com os seus cursos, principalmente de Economia e Administração que chega um ano depois. É possível projetar essa área para os próximos 50 anos, tanto em termos da academia, o ensino na área de negócios, quanto à própria área como um todo?


Resposta:
Sim, indubitavelmente esses cursos, a Escola de Negócios vai continuar tendo um peso grande na vida das pessoas. A Economia, a Administração dos órgãos públicos e privados, a contabilização, o relacionamento internacional estão sendo intensificados. Então, eu vejo um peso crescente da nossa Escola, por tudo que está acontecendo no mundo, está certo? O peso dessas áreas. A nossa escola, além disso, ela, como eu mencionei, vem buscando permanentemente sua atualização, então quando nós nos constituímos como uma Escola, nós pensamos também na interdisciplinaridade, como trabalhar perspectivas multidisciplinares, então você não é só um economista, sem ter uma visão também básica de um administrador, de um contador e vice-versa. Então, acho que vamos por uma boa trilha, e eu vejo a Escola de Negócios num processo de expansão muito forte. Eu gostaria que trabalhássemos, quero contribuir para isso, um relacionamento internacional mais forte, porque isso é a tendência do mundo, se conectar mais, então a nossa Escola de Negócios estar conversando com escolas americanas, com escolas europeias, intercâmbio de alunos, intercâmbio de professores, trabalhos, pesquisas, isso vai ajudar muito e coloca a USCS no seu patamar merecido, que é um patamar muito além do que já conquistou.

Pergunta:
Bom, a gente começou essa conversa falando um pouquinho da sua infância, você citou a sua família, a base familiar, sua mãe, de uma forma bem robusta, da importância na sua formação. Queria encerrar abrindo espaço para você falar um pouquinho mais da sua mãe, um pouquinho mais da sua família e retomasse essa questão, agora vendo toda a trajetória.

Resposta:
Você falou da minha mãe, eu acabo de trazer a minha mãe à universidade e foi um outro momento emocionante, talvez tenha sido o mais emocionante e eu nem, eu acabo de ter meu filho formado pela universidade. O Ivo se formou em Direito, e quem entregou o diploma fui eu. Foi um momento, não sendo professor da Escola de Direito, aonde me permitiram entregar o diploma ao meu filho, e minha mãe acompanhando. Então foi um triângulo de gerações bem interessante que a universidade uma vez mais me permitiu.
Pergunta:
Professor, há algo mais que o senhor gostaria de destacar, que o senhor acha importante para a gente deixar para esse projeto de memória sobre a USCS?

Resposta:
Cinquenta anos de uma história rica, de uma história bela, de luta, uma história que não foi fácil, nada é fácil [01:10']. Muito respeito pelos que nos antecederam, não vou citar nomes aqui, mas não é fácil sair do nada para ter isso aqui, é preciso ter muito respeito com quem esteve a frente aqui nesses anos de 1968 para cá, então olhar para trás com essa admiração e respeito, sabendo que não foi fácil, e de erros também que foram cometidos. Toda instituição, toda família comete erros, mas temos aqui um legado, agora nos compete olhar para 50 anos mais. Então, se a gente olha para 50 anos para trás, temos que olhar 50 anos para frente, e essa molecada, essa juventude, junto com os professores, cinquentões como eu, podem dar muito aí para esse futuro da USCS. É isso.








Lista de dúvidas
Grafia correta do nome: (Gerum Clinc)


Lista de siglas presentes no depoimento:
UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas
DIEESE: Departamento Sindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos
USCS: Universidade Municipal de São Caetano do Sul
EAD: Educação à Distância
FMI: Fundo Monetário Internacional

 


Acervo Hipermídia de Memórias do ABC - Universidade de São Caetano do Sul